O que é uma Blockchain de Primeira Camada?
Tradução do artigo “What is a L1 Blockchain Network?”, originalmente publicado em thedefiant.io.
Embora a rede Bitcoin tenha sido lançada no início de 2009, demorou até 2017 para que as blockchains se tornassem populares. E somente em novembro de 2021 - quase 12 anos após o lançamento da Bitcoin - o mercado de cripto moedas alcançou o valor de US$ 2,9T.
O crescimento da Bitcoin criou uma riqueza imensurável e mudou a forma como a sociedade percebe o dinheiro - e quem controla sua emissão. Mas ao longo do caminho, as blockchains se tornaram vítimas de seu próprio sucesso. Elas tiveram dificuldades para lidar com toda a demanda, o que causou demora para a realização de transações além de altas taxas.
Para entender isso, devemos entender porque as blockchains também são chamadas redes de camada 1 (ou de primeira camada), e o que torna as blockchains diferentes das redes convencionais de computadores.
Blockchains vs. Redes de Computadores
Em um nível básico, todas as blockchains são redes de computadores. As redes de computadores são compostas por grupos de participantes da rede, conhecidos como nós, que retransmitem dados e compartilham recursos computacionais. Estes nós podem se conectar entre si de maneiras muito diferentes. Existem quatro tipos principais de redes de computadores:
Mesh - Um nó se conecta a todos os outros nós
Ring - Um nó se conecta a dois outros nós, criando um anel bi-direcional
Bus - Um nó se conecta apenas a um outro nó
Star - Um nó de servidor se conecta aos nós do cliente
Star é o tipo mais comum de redes de computadores, porque é rápido e barata. Em redes star, o nó do servidor central alimenta os dados diretamente para outros nós, de modo que os dados não precisam passar por cada nó no caminho para os demais.
Isto economiza largura de banda da rede e, como o nó servidor fornece recursos de computação diretamente para os nós clientes, é altamente eficiente. Entretanto, o preço desse desempenho é a alta centralização, tanto em termos de controle como de pontos únicos de falha (SPoF).
Em contraste, as redes ponto a ponto (P2P ou peer-to-peer) não utilizam os nós do servidor para coordenar a rede. Em vez disso, cada nó atua tanto como cliente quanto como servidor, compartilhando recursos computacionais pela rede. Tais redes resolvem o problema de centralização do controle o e SPoF, tornando elas ideais para o dinheiro P2P como Bitcoin.
O custo da descentralização é que as redes ponto a ponto tendem a ser menos escaláveis. Este problema acontece nas blockchains porque elas são protegidas por mecanismos de consenso de redes P2P. Vitalik Buterin, o co-fundador da Ethereum, chamou essa situação de Trilema da Escalabilidade (também conhecido como o Trilema da Blockchain).
As primeiras blockchains se limitavam a oferecer apenas duas funcionalidades simultaneamente, o que significava que teriam que sacrificar a escalabilidade, a segurança ou a descentralização.
O que são Blockchains de Primeira Camada?
Para resolver o trilema da escalabilidade, as blockchains começaram a adotar abordagens diferentes. Estas abordagens são chamadas de Primeira Camada (ou Camada 1, L1 em inglês) - a camada de base de uma blockchain. Bitcoin, Ethereum e Solana são exemplos de blockchains de Primeira Camada.
Uma forma óbvia de abordar o trilema da escalabilidade foi aumentar o tamanho do bloco. Desta forma, a blockchain poderia processar mais transações dentro de cada bloco de dados, aumentando o número de transações que poderia processar por segundo.
No entanto, o aumento do tamanho do bloco também exigiria que os operadores dos nós mantivessem computadores mais potentes. Menos pessoas poderiam pagar por eles, levando a uma maior centralização.
Quando o bilionário Elon Musk propôs aumentar o tamanho do bloco Dogecoin em 900%, o co-fundador da Ethereum, Vitalik Buterin, salientou que a blockchain não seria descentralizada se os usuários regulares com computadores domésticos não pudessem rodar um nó.
No mundo ideal, Doge acelera em 10X o tempo de bloco, aumenta o tamanho do bloco em 10X e diminui as taxas em 100X. Como consequência, ele se sai vencedora.
— Elon Musk (@elonmusk), 16 de maio de 2021
Blockchains de Primeira Camada modernas enfrentam o trilema da escalabilidade por meio de mecanismos de consenso e sharding (fragmentação).
Protocolos de Consenso
Algoritmos de consenso sustentam a tecnologia blockchain. Para que o Bitcoin e outras cripto moedas tenham valor, a rede P2P tem que resolver dois problemas-chave: gastos duplos e incentivo.
O gasto duplo ocorre quando alguém usa o mesmo recurso escasso duas vezes (como o dinheiro). É um problema inerente à tecnologia digital porque os arquivos digitais são infinitamente replicáveis. Para resolver isto, as blockchains tornam cada transação única através de registros de tempo e hashes, e agregando-as em lotes de transações chamadas blocos. Para falsificar uma única transação, um nó teria que falsificar um bloco inteiro.
É aqui que entram os algoritmos de consenso. Eles coordenam todos os nós da rede de uma maneira descentralizada. Para que um bloco seja processado, a rede tem que concordar sobre a validade dos dados contidos nele. Fundamentalmente, se alguns nós apresentarem dados falsificados, a rede ainda possa funcionar, desde que a maioria dos nós válidos controle o poder de processamento da rede (hashrate).
"Enquanto a maioria da potência da CPU for controlada por nós que não estão cooperando para atacar a rede, a cadeia mais longa continuará sendo gerada e ela prevalecerá sobre os atacantes".
- Satoshi Nakamoto, o inventor do Bitcoin
Essa redundância da rede é chamada de Tolerância Bizantina a Erros (Byzantine Fault Tolerance - BFT). Em uma rede descentralizada, é extremamente importante que a rede esteja operacional mesmo que alguns de seus nós não funcionem adequadamente. Caso contrário, a rede pararia.
Além de resolver o problema dos gastos duplos, os protocolos de consenso fornecem incentivos para que os nós continuem processando transações. Isto é igualmente importante: por que alguém sacrificaria seu poder computacional e pagaria uma conta de eletricidade cara se não tivesse nenhum benefício com isso?
No caso do Bitcoin, os operadores de nós, chamados mineradores, gastam recursos computacionais. Em razão disso, eles recebem BTC como recompensa pelos blocos minerados. Isto é conhecido como prova de trabalho (proof-of-work, ou PoW).
Outras blockchains, como as de prova de participação (proof-of-stake, ou PoS), utilizam validadores como operadores de nós. Em vez de gastar energia com poder de processamento computacional, os validadores dependem de recursos depositados (stake) - moedas - para alcançar o mesmo objetivo de coordenação de consenso. Por exemplo, na Ethereum exige-se um stake (depósito) de 32 ETH para se tornar um validador. Depois que os validadores tiverem depositados os fundos, eles recebem uma parcela das taxas de transação.
Os agentes maliciosos têm diferentes obstáculos a superar. Com Bitcoin, eles teriam que ter um potência de CPU (poder computacional) superior a 51% da rede, o que é praticamente impossível de ser alcançado devido ao tamanho da rede.

Com a Ethereum, eles precisariam ter o maior depósito de ETH - serem extremamente ricos, em outras palavras. Entretanto, o atacante teria que estar preparado para perder essa riqueza; toda a rede perderia seu valor assim que processasse uma transação fraudulenta.
Embora a maioria das novas redes de Primeira Camada usem PoS, eles nem sempre são melhores em escalabilidade. Solana, uma blockchain de PoS, sofreu múltiplas interrupções após experimentar um aumento de tráfego ao longo dos últimos 12 meses. Seu protocolo de staking foi de pouca utilidade quando quase metade de seus nós foram hospedados em apenas cinco data centers (serviços de hospedagem de dados).
A Solana, em teoria, oferece uma taxa de processamento de 50.000 transações por segundo (TPS). Isso é muito mais do que as ~5TPS da rede Bitcoin - mas de que adianta se não for descentralizado?
Sharding (ou fracionamento)
Outra solução de escalabilidade de primeira camada é o sharding (fracionamento), que divide uma rede em pequenos bancos de dados chamados shards (fragmentos). Cada fragmento executa suas próprias transações e adiciona blocos com seus próprios nós. Ao distribuir o processamento por lotes de pequenos fragmentos a carga é retirada do mecanismo principal de consenso, resultando em um TPS mais alto.
Entretanto, como cada fragmento é menor, é mais fácil para um atacante acumular os fundos ou o poder computacional necessário para dominá-lo. Por esta razão, o sharding ainda não foi testado em uma grande blockchain.
A Ethereum está na vanguarda e planeja implementar o sharding após sua transição do consenso de PoW para o consenso de PoS em 2022 - o chamado Merge. O sharding na Ethereum, programado para 2023, irá compartimentar a rede em 64 fragmentos.
A rede tentará resolver as preocupações com a segurança dos fragmentos atribuindo aleatoriamente nós a eles, incluindo a redistribuição aleatória de nós a outros fragmentos.
Outras experiências de fragmentação visam resolver completamente o trilema da escalabilidade. A DTR (Distributed Technology Research Foundation, ou Fundação de Pesquisa em Tecnologia Distribuída), com sede na Suíça, composta por sete universidades, lançou o projeto Unit-e em 2019 como uma rede de pagamento global escalável. Outro projeto, o Radix, ordena parcialmente fragmentos em vez de enquadrá-los em uma única linha de tempo, como fará a Ethereum.
As soluções de escalabilidade para as redes de Primeira Camada estão próximas?
A adulteração de uma blockchain é um assunto delicado. A maioria das pessoas tem dúvidas em relação a cripto. O Bitcoin conseguiu amenizar essas preocupações ao longo de uma década, portanto, suas atualizações de primeira camada são mais conservadoras.
A última atualização da rede Bitcoin, Taproot, introduziu as assinaturas digitais da Schnorr. Elas permitem que a rede realize múltiplas transações em lote para reduzir as taxas e aumentar a escalabilidade. No entanto, a Bitcoin ainda prioriza soluções de Segunda Camada para uma verdadeira escalabilidade por meio da Rede Lightning.
O mesmo se aplica a Ethereum, com dezenas de redes de Segunda Camada construídas em cima da Primeira Camada.
Em ambos os casos, os protocolos de Segunda Camada tiram a carga de trabalho da Primeira Camara, a principal, processam-na em outro lugar e alimentam os dados de volta para a Primeira Camada de uma maneira muito mais eficiente. As soluções de Segunda Camada empregam uma variedade de tecnologias de escalabilidade para realizar isto, conforme observado na tabela acima.
Entretanto, um ecossistema de redes de Primeira e Segunda Camadas é complicado. Os tokens têm que ser transportadas através de pontes entre blockchains, e cada dApp tem que ser integrado em cada Segunda Camada. Ao contrário, o uso somente com de redes de Primeira Camada facilitaria a vida dos desenvolvedores e dos usuários.
Primeira Camadas como Cardano, Algorand, Elrond, Fantom, Avalanche e Harmony tentaram resolver o trilema de escalabilidade, mas nenhuma deles tem uma dimensão que se aproxime tanto da rede Bitcoin quanto a Ethereum. Ainda em fases iniciais de desenvolvimento, é muito cedo para concluir se mesmo as principais blockchains operacionais são muito melhores do que a Bitcoin ou a Ethereum.